quinta-feira, 12 de julho de 2012

Enamorado

Apenas um conto bem aleatório dessa vez.

Ó, agora estou sendo dramática? Ah, sinceramente. Nem sei porque estou ouvindo essa garota. Eu simplesmente acho que de vez em quando ela só deveria... calar a boca. Pra sempre, e para não perder o lindo sorriso torto que faz zilhões de pessoas acreditarem que ela é confiável. Ah, mas o que eu estou falando, eu sou muito menos confiável que ela. Só que eu jogo limpo.
- Tanto faz. - Os olhos dela focaram nos meus de uma forma raivosa, e as outras pessoas ficaram abismadas a minha reação tão anti-natural de indiferença. E eu estava me sentindo assim mesmo. Se quisessem arruinar as próprias vidas por confiarem nela, não seria eu quem iria impedir.
- Não vai falar mais nada...? - A voz irritante dela saiu confusa e eu balancei os ombros, em um gesto típico de "Vou fazer o que?" e me virei para a saída e comecei a caminhar.
- Existe uma coisa chamada de livre arbítrio. Não influo nele. Cada um tem o direito de fazer a cama que quiser para se deitar... - Continuei caminhando e ouvi a voz dela ressoar mais uma vez.
- O que quer dizer com isso?
- Entenda como quiser - Balancei os ombros displicente e continuei meu caminho. Fico impressionada como algumas criaturas conseguem ser burras. Claro, eu já esperava isso dela. Mas obviamente fui surpreendida pelo comportamento dos outros. Abri as portas de vai-vem para sair daquele lugar que estava começando a me deixar irritada. Que se afogassem em tanto rosa. Eu iria fazer uma nova decoração, no segundo andar, foda-se que era dia dos namorados. Isso não quer dizer "Rosa por todos os lados!". 
- Hey, como foi com as megeras? - Viro pro lado e encaro a pessoa que mais gosto no mundo, meu melhor amigo em todo o mundo, Ed. Aqueles cabelos reluziam ao sol e me deixavam um pouco cega, mas eu não me importava. Meus óculos escuros já estavam no lugar que deveriam e o brilho ofuscante de seu bem-cuidado cabelo já não pode me incomodar. Ele estava encostado na parede, uma perna flexionada, seus cabelos cobrindo levemente seus olhos, e esperando por mim.
- Ah, o de sempre. "Você está sendo dramática, Jean", "A decoração TEM que ser desse jeito, porque eu-digo- NÓS queremos assim" e blá blá blá. Você sabe como ela tem mania de se fazer de vítima e tudo o mais.
- Sempre quis dar um bom soco nela...
Eu ri. Ed realmente odeia aquela vaca tanto quanto eu. Garanto que se não fosse pela impecável educação que ele recebeu, ele já teria feito Leslie perder alguns dentes e fazer plástica no nariz. Acho que a plástica até eu teria feito ela precisar.
- Não se preocupe, irei criar outro ambiente no segundo andar e vamos ver quem vai ficar com mais ingressos. Ela pode mandar na parte de baixo, mas a parte de cima sempre é minha.
- E a mais cheia também.
- Exato. E para que isso dê certo você vai me ajudar.
- Eu? - Ed se desencosta da parede e vai para a minha frente, me encarando sério enquanto eu abro um sorriso malvado - Você está louca tampinha.
- Você me deve uma por Daiana.
Ouço ele bufar e vejo ele revirar os olhos. Vitória garantida.
- Venha, tive uma idéia ótima para a decoração e não será nada trabalhoso.
Pego Ed pelo braço e começo a arrastá-lo para o galpão onde ficam os objetos decorativos. Leslie vai ficar abobada com o que eu irei fazer.
...
- Então, o que acha? - Pergunto para Ed com minha idéias de decoração já começando a serem postas em prática.
- Não é tão ruim assim. Ao menos não é rosa.
- Claro que não é rosa - Dou um soco leve no braço musculoso de Ed, que faz uma carranca para mim - Eu odeio a cor, esperava mesmo que eu fizesse alguma coisa desse gênero?
- Sei lá, it's Valentine's Day sweetheart, como vou saber de suas idéias? Não dá pra ser totalmente original.
- Você prestou a atenção no que eu disse? É claro que dá pra ser original, eu estou sendo - Apontei para mim mesma tentando não ficar irritada. Mesmo sendo meu melhor amigo, Ed tem a estranha mania de achar que me irritar é o melhor esporte do mundo.
- Tá, calma, calma. Já entendi. - Ele olhou com os olhos estreitos para mim e deu uma fungada - Está de tpm é?
- Vai se foder e pegue aquelas caixas com toalhas para mim, seu imprestável.
- Eu também te amo Jean.
- Vá para o inferno.
...
Trabalho feito. Eu e Ed ficamos as últimas horas decorando o segundo andar e, devo dizer, o que fizemos está tão... Divino. A iluminação mais modesta e não direta dá um ar mais íntimo ao ambiente. Há algumas luzes vermelhas e azuis dançando pelo espaço todo, dando um charme a mais. As poucas mesas estavam com uma longa toalha branca, uma vermelha menor por cima e um arranjo com algumas rosas brancas e folhas das mais diversas (e verdes) adornando. Haviam taças de champagne nas mesas, seria a primeira bebida dos clientes ao chegarem, oferecido pela casa. O bar estava com um tampão branco ao invés do escuro e havia uma sobreposição de panos brancos e vermelhos ao fundo, luzes pálidas focando-os e deixando até o bar com a aparência mais íntima que o normal. As luzes inferiores da bancada do bar foram trocadas e eram vermelhas e pretas, dando um charme especial.
Eu pensara até nos garçons, que iriam vestir uma linda camisa social preta, uma rosa ou branca ou vermelha e uma calça branca, além da gravata borboleta vermelha. O barman estaria todo de preto, com uma bandana vermelha no cabelo e a rosa branca no bolso da camisa.
Mas o que mais chamaria a atenção seria, de fato, a pista de dança. Tons vermelhos, brancos e azuis borboleteavam como iluminação da área, e ficava de frente para o pequeno palco onde uma banda muito boa tocaria algumas coisas durante a noite. A parede, ao invés de estar nua, estava com panos esticados por toda ela. Um preto, como fundo, e alternadamente, um por cima do outros, panos brancos e vermelhos. A iluminação ali também era a mesma do bar e tudo parecia muito íntimo, sem parecer, de fato algo romântico. Apenas, íntimo. Um lugar onde homens levariam suas amantes ou namorados levariam suas namoradas para propô-las em casamento. Um charme.
E claro, como o palco era a atração principal, a meia-noite, haveria uma canção especial e quando os casais estivessem na pista, os garçons ofereceriam rosas às mulheres e pétalas cairiam por sobre a pista de dança. E claro, como em uma apresentação única, eu estaria cantando uma das músicas mais lindas que eu conheço. A noite seria um sucesso.
...
Eu estava em casa terminando de me maquiar quando meu telefone tocou. Peguei o aparelho nas mãos e sem olhar quem era atendi no viva-voz.
- Jean Scotts, sua anfitriã. Em que posso ajudar? - Minha voz saia profissional como sempre. Eu ajudo a administrar aquela espelunca que chamo de trabalho, devo atender como tal.
- Hey, Jean. - Ouvi a voz familiar de meu melhor amigo e já sabia que aí tinha coisa.
- Fale criatura.
- Você fez o que eu pedi? - Só revirei os olhos e fuzilei o aparelho com os mesmos. Voltei minha atenção para o espelho enquanto terminava de delinear meu olho esquerdo.
- Diferente de você imbecil, eu faço as coisas direito. Vocês tem a mesa reservada. Entrada VIP. Tudo como pediu. Dê boas gorjetas aos meus rapazes. Se não você morre, - Falei indiferente, enquanto terminava meu trabalho com os olhos. Peguei o blush e graciosamente espalhei por minhas bochechas, do jeito a ressaltá-las do modo certo.
- Você é a melhor Jean. - E desligou.
Comecei a delinear meus lábios com o batom sem dar muita importância ao celular. Tracei com pulso firme e leve os traços de meus lábios e os preenchi com a cor. Gostei do resultado ao me olhar por inteiro. Apliquei o fixador de maquiagem em meu rosto com os olhos fechados, quase expelindo o almoço com o cheiro do produto no processo.
Coloquei as jóias com cuidado, escolhendo-as com esmero. Precisava da imagem perfeita de anfitriã aquela noite. Meu celular vibrou e peguei-o de volta para ler a mensagem.

Sozinha de novo rainha do gelo? Espero que aproveite essa noite romântica. Beijos, Les.

Apaguei a mensagem sem dar importância. Não era o primeiro dia dos namorados que eu passava sozinha. E eu tinha certeza de que não seria o último. Alisei o vestido negro em meu corpo e coloquei o casaco de couro branco por cima. Já nos saltos, saí de casa para pegar o táxi que me esperava com a bolsa em meu ombro.
O percurso foi silencioso enquanto eu olhava para o nada. Minha mente estava focada no trabalho, completamente. Quando percebi que tinha chegado, dei um valor mais alto que o do percurso e saí para a entrada de funcionários. Entrei no ambiente que eu estivera preparando durante a tarde e sorri para meus garçons.
- Boa noite rapazes.
- Boa noite, senhorita - Eles me saudaram com sorrisos no rosto, em virtude do senhorita. Leslie forçava os garçons a chamá-la assim. E eles me chamavam assim para tirar sarro dela.
- Sirvam aos clientes hoje como se servissem amor em uma bandeja de prata rapazes. Sei que conseguem.
 Eles assentiram ao meu pedido e terminavam de lustrar os últimos utensílios que seriam usados. Retirei meu casaco e coloquei-o no cabideiro do andar, deixando-o de um modo que não amaçasse. Quando me voltei para ir em direção ao palco, os rapazes se viraram para mim soltando assovios que deixaram meu rosto vermelho de tão encabulada.
- Não façam, por favor. - Falei envergonhada, e todos apenas fizeram uma mesura antiga, para desculpar-se. Sorri para eles.
Continuei meu caminho até a banda para acertar os detalhes finais da apresentação. Dei o repertório das possíveis músicas que eu poderia cantar. Eu não havia decidido ainda, haviam algumas músicas que não deveriam faltar, eu sabia. Por isso era difícil escolher. Eles não teriam dificuldade com nenhuma delas e gostaram de minhas possíveis escolhas.
Andei mais um pouco pelo lugar, ajeitando os últimos detalhes, quando os rapazes disseram que estava tudo pronto. Assenti e dirigi-me para a entrada.
Olhei para o segurança e acenei afirmativamente para ele. Tudo estava no lugar certo. Hora de abrir.
Quando as portas foram abertas e os primeiros clientes começaram a aparecer, direcionei meu olhar para as mulheres. Sempre elas.
- Sejam bem-vindos. Sou Jean Scotts e serei sua anfitriã esta noite. Espero que apreciem esta noite. - Sorri para o casal, com o olhar direcionado para a mulher. Quando se é anfitriã, não dar qualquer sinal de interesse romântico ou sexual no homem é sempre o passo certo para garantir que a mulher aprecie o lugar e  que o homem fique feliz por sua mulher estar feliz.
Levei o casal até a mesa reservada e os garçons começaram a fazer seu trabalho, assim como a banda. Uma balada leve soou pelo ambiente e voltei-me ao meu trabalho.
...
Estávamos cheios. E eu feliz. Meus garçons disseram que o andar de Leslie não estava nem com um terço de nossa clientela. Minha vitória. Eu já havia atendido Ed e sua nova namorada, Daiana, e tudo estava correndo como o planejado. Haviam casais na pista e logo seria meia-noite.
Comecei a encaminhar-me para o palco com calma. Já havia sentido o clima e sabia qual música a noite pedia.
- Uma salva de palma para a sua anfitriã, Jean Scotts - Falou o vocalista da banda. Eu sorri e subi ao palco, enquanto todos me aplaudiam de pé.
- Obrigada, muito obrigada. Agora, para homenagear esta noite tão especial, com nossos mais especiais mestres, gostaria de dedicar uma canção a vocês. Rapazes, por favor.
E, quando eu disse o número, da lista, para eles, começou a balada lenta, onde eu comecei a recitar a introdução da música.
Os casais em volta começaram a também ir para a pista, e os que já estavam nela começaram a dançar ao ritmo lento e apaixonante que eu havia escolhido.

Quiero beber los besos de tu boca
Como si fueran gotas de rocío
Y allí en el aire dibujar tu nombre
Junto con el mío



Y en un acorde dulce de guitarra
Pasear locuras en tus sentimientos
Y en el sutil abrazo de una noche
Sepas lo que siento



Terminei de recitar e sorri para meus clientes, vendo o sorriso delicado nos lábios das damas. Eu gostava da idéia de fazê-los felizes. Minha voz parecia pairar por eles, tornando o momento íntimo e único.


Que estoy enamorado
Y tu amor me hace grande
Que estoy enamorado
¡Y qué bien,
Y qué bien me hace amarte!


O lindo refrão da música fez com que meu próprio coração se aquecesse com as palavras em espanhol. Vi meus garçons parados, assim como o barman, para ouvir minha voz. Sorri para eles, e eles, todos, pareceram aprovar minha voz, além de todo o conjunto, como um todo. Vi de relance meu melhor amigo com sua namorada, tão próximos. Não pude deixar de sentir a emoção começar a transbordar.



Dentro de ti quedarme en cautiverio
Para sumarme al aire que respiras
Y en cada espacio unir mis ilusiones
Junto con tu vida

Que si naufrago me quedo en tu orilla
De recuerdos sólo me alimente
Que despierte del sueño profundo
Sólo para verte

Senti minha visão nublada, mas nem por isso parei de cantar. Só deu-me mais força para cantar com mais coração. Tenho a impressão de ver Leslie na porta de ligação, mas não tenho certeza. A emoção pela bela música fazia com que o ambiente que planejei se executasse com a devida perfeição que o momento necessitava.

Que estoy enamorado
Y tu amor me hace grande
Que estoy enamorado
¡Y qué bien,
Y qué bien me hace amarte!

Voy a encender el fuego de tu piel callada
Mojaré tus labios de agua apasionada
¿Para qué pecamos?
Sueños de la nada...

Os últimos versos foram cantados, e eu refiz a introdução, como despedida da música, e calmamente limpei meus olhos, em tempo de ver a chuva de pétalas cair sobre os casais. Os últimos acordes da música iam se indo, fazendo com que o momento ficasse único. As rosas de meus garçons já estavam posicionadas adequadamente e nas mãos dos clientes. Timing perfeito.
Larguei o microfone e a música terminou. Todos viraram para mim e fui recebida por uma salva de palmas emocionada de todos. Eu sorri envergonhada, mas satisfeita.
- Desejo a todos que desfrutem desse momento. A casa e especialmente eu, como sua anfitriã, deseja o melhor dia dos namorados a todos. Tenha uma boa noite.
Despedi-me do palco com mais palmas enquanto os rapazes da banda voltavam lentamente às músicas. Enquanto descia do palco, alguns dos cliente se deslocaram para me parabenizar. Fiquei verdadeiramente feliz com a felicidade que eles refletiam. Eu agradeci a todos e observei-os voltar a pista, entretidos.
Vaguei pelo salão até o barman.
- O de sempre. - Pedi. Meu whiskey estava ótimo aquela noite. Eu observava satisfeita meu trabalho.
- Hey, J. Tem um cartão para você. Do cavalheiro solitário da mesa 3. - Eu fiquei surpresa com a fala do barman. Olhei para ele e o homem passou-me o cartão.
Ao virá-lo, reconheci de pronto a letra.
Sorri para o barman e procurei meu gentleman com os olhos. Mantendo o sorriso, deixei o copo no bar e andei decidida até a mesa. Eu conhecia aquele homem.
Meu antigo amante.
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E o resto fica por conta de vocês.


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